Ciência e inovação no transplante de células-tronco hematopoiéticas: uso do cateter central de inserção periférica

Autor(es): Ana Paula Gadanhoto Vieira, Afonso Celso Vigorito, Priscila Silva Urquisa, Patricia Umebara Pelegrini; Hospital de Clínicas, Centro de Hematologia e Hemoterapia
Resumo: O objetivo principal deste projeto foi implementar o uso do cateter central de inserção periférica (PICC) para o transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) em pacientes internados na unidade de Transplantes de Medula Óssea (TMO) do Hospital de Clínicas da Unicamp. Especificamente, o projeto tem por finalidade avaliar a eficácia e a segurança do uso do PICC nesta população, por meio de revisão sistemática e de estudo observacional, do tipo coorte prospectiva. Descrição resumida: O projeto teve por finalidade implementar o uso do PICC em pacientes submetidos ao TCTH na enfermaria de TMO do Hospital de Clínicas da Unicamp. Foi realizado por meio de estudos de revisão sistemática, benchmarking com outros centros de transplante, estudo observacional e implementação de evidências. Resultou em melhorias na assistência aos pacientes submetidos ao TCTH, na medida em que permitiu que 70% dos pacientes transplantados utilizassem o PICC para infusão das células-tronco, reduzindo a ocorrência de complicações, eventos adversos e custos. Os resultados foram divulgados por meio de artigos submetidos a periódicos de circulação nacional e internacional e apresentação em congresso científico. O projeto integrou profissionais da área assistencial, docentes e pesquisadores do Hospital de Clínicas, Hemocentro, Faculdade de Enfermagem e Faculdade de Ciências Médicas, fortalecendo o principal papel da universidade, que é a translação do conhecimento. Resultados: Por meio deste projeto, foi possível conduzir uma revisão sistemática com meta-análise, implementar o uso do PICC na unidade de TMO do Hospital de Clínicas da Unicamp, conduzir um estudo de coorte prospectivo, bem como participar de eventos da área com a divulgação dos resultados. A equipe envolvida neste projeto desenvolveu uma revisão sistemática, que foi registrada na plataforma PROSPERO (CRD42020206709) (https://www.crd.york.ac.uk/prospero/display_record.php?ID=CRD42020206709) e aceita para publicação no periódico Online Brazilian Journal of Nursing (OBJN)(no prelo). A revisão sistemática identificou cinco estudos de coorte, com 361 participantes (adultos e pediátricos) e 366 cateteres avaliados. Somente um dos estudos inclui grupo comparador e os estudos apresentaram entre duas e cinco falhas metodológicas, avaliadas de acordo com o instrumento do Joanna Briggs Institute (JBI). De acordo com os resultados da revisão o PICC parece ter baixo risco de trombose quando comparado com os cateteres venosos centrais semi-implantados (tunelizados). Para os outros desfechos avaliados, não houve diferença entre o PICC e os demais dispositivos para infusão das células-tronco no transplante. A certeza da evidência, avaliada pelo método GRADE, foi considerada baixa ou muito baixa para todos os desfechos avaliados (mortalidade, infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter, trombose venosa profunda relacionada a cateter, mortalidade global, remoção do cateter por término do tratamento, cateteres-dia, complicações relacionadas ao cateter (oclusão, ruptura, mau funcionamento, externalização e perda acidental), complicações relacionadas à inserção (hematoma no local de punção, pneumotórax, hemotórax ou óbito) e complicações no sítio de inserção. Os resultados desta etapa foram submetidos para publicação na Revista Latino-Americana de Enfermagem e está em processo de avaliação por pares. A partir da prévia dos resultados da RS, iniciamos a implementação do uso do PICC para pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoiéticas. Todos os pacientes são acompanhados pela equipe multidisciplinar e as informações registradas em um banco de dados que irá compor o estudo de coorte prospectivo. Além da busca por evidências científicas, a equipe envolvida no projeto buscou experiências de outros centros de transplante para reforçar a indicação do uso do PICC nesta população, porém não encontrou experiências semelhantes no Brasil. Os pacientes foram informados das vantagens e riscos com a implantação do PICC bem como dos outros dispositivos de terapia intravenosa utilizados para a terapia. A implementação do projeto, possibilitou atender cerca de 70% dos pacientes internados para TCTH com o PICC e resultou na elaboração de um protocolo interno para uso do dispositivo. Os resultados preliminares desta experiência foram apresentados no Congresso Brasileiro de Transplante de Medula Óssea (SBTMO 2022, 24 a 27 de agosto de 2022), em na modalidade apresentação oral, e o resumo (Peripherally inserted central venous catheters for haematopoietic stem cell transplantation: preliminary experience of a treatment centre in Brazil) foi publicado no Journal of Bone Marrow Transplantation and Cellular Therapy (https://doi.org/10.46765/2675-374X.2022v3nsuppl1). A divulgação destes resultados tem atraído outros pesquisadores e profissionais envolvidos com o cuidado de pacientes no TCTH, para compartilhamento de experiências.
Palavras-Chave: Medicina; Saúde; Transplante de células-tronco hematopoiéticas
Notas: Vencedor local Dimensão: O TCTH é um procedimento de alta complexidade e para sua realização é imprescindível que o paciente seja submetido a inserção de um dispositivo de acesso venoso central, uma vez que necessitará da administração de antineoplásicos, antibióticos, antifúngicos, nutrição parenteral, administração de hemocomponentes e coletas frequentes de amostras sanguíneas. Tradicionalmente, o paciente realizava o TCTH por meio de dispositivos vasculares do tipo central de curta permanência ou do cateter venoso central semi-implantável de longa permanência. O cateter venoso central de curta permanência é inserido nas veias jugular ou subclávia, o qual aumenta o risco de punção inadvertida da artéria, múltiplas punções, hematomas e pneumotórax durante a sua inserção baseada em punções "às cegas", ou seja, aquelas que não são apoiadas pelo uso do ultrassom. No Hospital de Clínicas, ainda não dispomos de protocolo para punção guiada ou assistida por ultrassom durante a inserção destes dispositivos. A punção venosa é realizada em veias cérvico-torácicas (veia jugular interna, subclávia e braquiocefálica) e envolvem riscos de eventos adversos como múltiplas punções venosas, punção inadvertida da artéria, formação de hematomas, presença de sangramento pós procedimento, dor e infecções primárias de corrente sanguínea. Por outro lado, avançamos bastante com a utilização do PICC, dispositivo que foi introduzido no mercado na última década e que trouxe a possibilidade de atender o paciente com doenças onco-hematológicas, por meio da inserção do cateter em uma das veias periféricas dos membros superiores (basílica, braquial ou cefálica). A inserção do PICC é realizada pelo enfermeiro, por meio da técnica de Seldinger modificada e da visualização do vaso no ultrassom. Esta técnica diminui a ocorrência de eventos adversos, como trombose e infecções, bem como reduz o custo, uma vez que o procedimento pode ser realizado à beira leito, sem necessidade de sedação e o dispositivo possui maior durabilidade, quando comparado ao cateter venoso central de curta permanência e ao cateter venoso central semi-implantável de longa permanência. Neste cenário, o projeto para utilização do PICC na unidade de TMO surgiu com o objetivo de buscar melhorias no processo de seleção do dispositivo intravenoso, redução dos eventos adversos relacionados ao procedimento, redução dos custos e maior agilidade no atendimento ao paciente internado para TCTH, melhorando desta forma a qualidade e a segurança na assistência. Abrangência: O projeto atendeu as expectativas e o uso do PICC alcançou 70% dos pacientes submetidos ao TCTH nos últimos 18 meses. A facilidade para inserção do dispositivo, a rápida avaliação e programação da equipe de enfermeiros expertises em PICC para atender o paciente, o baixo risco de eventos adversos relacionados ao procedimento, a utilização da tecnologia do ultrassom para realizar a punção venosa assistida/guiada, permitiu a mudança da rotina na escolha do dispositivo de acesso venoso central na enfermaria de TMO e Hematologia. Para os pacientes onco-hematológicos além das indicações do uso do PICC para o tratamento com terapias intravenosas como administração de antineoplásicos, antibióticos e antifúngicos, a indicação para a realização da infusão das células tronco hematopoiéticas pelo PICC, possibilitou o planejamento da equipe de enfermeiros expertises para realizar o procedimento e disponibilizar o dispositivo de acesso venoso para atender o paciente em todas as fases do TMO inclusive para a infusão das células tronco-hematopoiéticas no D Zero, dessa forma permitindo a realização do transplante através do PICC. Replicabilidade: A replicabilidade e realização do planejamento para o uso do PICC como dispositivo de primeira escolha está sendo solicitada por outras especialidades médicas e unidades, como Hemocentro e Hospital-Dia, para atender os pacientes submetidos a terapia intravenosa prolongada, com falência de rede venosa periférica e administração de medicamentos vesicantes e antineoplásicos. A agilidade e possibilidade do procedimento ser realizado em regime ambulatorial, hospital-dia, sem utilização de leito de internação, sala cirúrgica e equipamentos como radioscopia, diminui os custos e os eventos adversos relacionados ao procedimento de implantação de acesso vascular e possibilita o tratamento dos pacientes com a inserção de um dispositivo de acesso venoso seguro e com longo tempo de permanência. Eficácia: No período de 09 de novembro de 2020 a 25 de maio de 2022, foram realizadas 69 infusões de células tronco-hematopoiéticas para TCTH, sendo 41 (59,4%) transplantes autólogos e 28 (40,6%) alogênicos. As indicações para transplante foram mieloma múltiplo (n=29, 42,0%), leucemia mieloide aguda (n=13, 18,8%), linfoma de Hodgkin (n=9, 13,1%), linfoma não Hodgkin (n=4, 5,8%) , leucemia linfocítica aguda (n=3, 4,3%), síndromes mielodisplásicas (n=1, 1,5%) e outras (n=10, 14,5%). Do total de infusões, 47 (68,1%) foram realizadas através do PICC, 27 (57,4%) delas no cateteres com calibre 5Fr e duplo lúmen, 19 (40,5%) nos cateteres duplo lúmen calibre 6Fr e 1 (2,1%) %) em cateter de lúmen único 5Fr. Os PICC foram inseridos, em média, 21,43 dias (DP 52,07) antes da infusão das células-tronco hematopoiéticas. Nenhum dos pacientes apresentou sinais inflamatórios no local de inserção, fluxo do cateter permaneceu inalterado em 43 dos cateteres e refluxo estava presente em todos os cateteres. Durante a infusão, 44 ¿¿(93,6%) cateteres não apresentaram alteração de fluxo e 8 (17,4%) cateteres, necessitaram entre uma e três lavagens com solução salina para manter a permeabilidade do cateter. Foram infundidas 100 bolsas de células-tronco hematopoiéticas, 98 CPP criopreservadas, 1 CPP fresca e 1 medula óssea criopreservada, com volume médio de 196,8 ml (61 a 582 ml). O tempo médio de infusão das bolsas foi de 28,0 minutos (primeira bolsa), 24,7 minutos (segunda bolsa), 21,2 minutos (terceira bolsa) e 24,9 minutos (quarta bolsa). Redução de custo: O cateter venoso central semi-implantável de longa permanência é inserido por profissional médico, com formação em cirurgia vascular, em sala cirúrgica ou na de hemodinâmica, utilizando equipamento do arcoscópio. O procedimento para inserção do PICC é realizado à beira do leito, com a utilização do ultrassom e requer enfermeiro habilitado para o procedimento. Embora os custos não tenham sido estimados, é provável que haja uma substancial redução dos custos. As estimativas de custos serão realizadas em estudo posterior. Redução de tempo: O cateter venoso central semi-implantável de longa permanência é inserido por profissional médico, com formação em cirurgia vascular, em sala cirúrgica ou na de hemodinâmica, utilizando equipamento do arcoscópio com tempo médio de 180 minutos para preparo, encaminhamento e procedimento. O procedimento necessita de agendamento prévio e é realizado uma vez por semana. O procedimento para inserção do PICC é estimado em 60 minutos para preparo do paciente e realização do procedimento, considerando a disponibilidade do enfermeiro nos sete dias da semana e programação do procedimento entre 24h e 48h, o que diminui os custos e pode reduzir os riscos de eventos adversos e complicações relacionadas ao cateter. Integração: O projeto envolveu enfermeiros, médicos das enfermarias de Hematologia e TMO, e a Coordenadoria de Assistência do Hospital de Clínicas da Unicamp, bem como do Hemocentro. Envolveu ainda docentes e pesquisadores da Faculdade de Enfermagem e da Faculdade de Ciências Médicas. O fornecimento dos cateteres foi organizado pelo setores de Planejamento e Assessoria de Recursos Materiais (ARM) do Hospital de Clínicas.
Descrição Física: 1 recurso online (6 p.) il., digital, arquivo PDF
Imprenta: Campinas, SP: Unicamp, 2022